sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O que não cabe nos versos

Eu tentei traduzir tua essência
Mas notei, ela não se escrevia,
E então, em servil penitência
Resolvi te fazer poesia,
E esperar, com gentil paciência,
Ter razão de te amar de tal forma,
Que, na poética mais rebuscada,
Não caberiam meus versos à norma.
E eu nem ligo, vou te escrevendo,
Vendo se isto algo belo se torna,
Pois me convém que eu pague de inculto,
Não me convém é amar-te à norma.



sábado, 28 de setembro de 2013

Ressaca do mês de Julho (para Alain Oliveira)

Andava eu no pingo do meio-dia,
E me veio falar titubeante,
Com bravata já comum ao bom passante
O peregrino que tomou minha alegria.
E ele disse, com “brado retumbante”,
Que o gigante acordado adormecia,
Quando diziam que acordava o tal gigante.
-Mas peregrino, que diabo tu querias
Dado o quadro por demais apavorante?
Não tem mais doutor disposto
E o povo se disfarça pensante.
“Boi” segue burro o seu rebanho
E, embora siga relutante,
Vai descendo a ladeira, mansinho.
Vai mãe, pai, filho, vizinho...
Que ainda é melhor que parar no meio.
E se alguém perguntar faz-se de alheio;
E o covarde ainda pousa de marchante,
De ativista, progressista, protestante...
Faz-me rir o povo brasileiro
De hipocrisia tão constante.
Mas que mal pergunte ao companheiro,
Pra onde se encaminha neste instante?
-Vou com a multidão cantar o “coro”

Pra manter dormindo o tal gigante.

sábado, 1 de junho de 2013

O último ingênuo de amizade

Se por acaso eu te chamar de amigo,
Não perguntes, não pense muito.
Estendas a mão, venha comigo
E, “separados”, estaremos juntos,
Achando um no outro algum abrigo
E vamos outros “separar” do mundo
E reviver aquele sonho antigo
De uma torre de Babel em plena praça;
Vamos cantar; gritar, rir de graça…
E, como formigas numa poça d’água,
Abraçar-nos pra salvar nossas almas
Sendo felizes enquanto a vida passa
-Ou sendo tristes, não importa muito-
Se a tua alma responder à minha
E, “separados”, estivermos juntos.





sábado, 18 de maio de 2013

O Gollum, a pá e o riso dos loucos



  Hoje, 30 de agosto de 2011, fui acordado por um estranho evento que me deixou um tanto sem assunto pelo resto do dia.
  Imagine você estar dormindo tranquilamente as 6:30 da manhã, depois de ter ido para a cama às 3:00 da madrugada e ser acordado pelo o som estridente do metal chocando-se renitentemente contra o solo. Agora, imagine levantar, ir até a porta e assistir o movimento de uma pá lançando areia para cima no terreno adjacente ao terreno no qual a sua casa se encontra.
  Até aí tudo normal, se não pelo fato de você olhar e se deparar com uma figura idêntica ao Gollum de J.R.R Tolkien, usando uma bermuda e rindo de maneira insana enquanto cava um buraco.
  A criatura me observa e, depois de pensar um pouco, fala alto: “Darei a você cinco reais se me ajudar a cavar.”
  Depois da frase uma gargalhada alta e frenética irrompeu, que devia ter por objetivo informar-me do óbvio de que aquilo era uma piada.
  Não me furtei a responder e o vivente continuou cavando incessantemente. Porém não pude deixar de reparar na forma como o homem ria, alto, como quem realmente perdesse o juízo a cada cinco minutos.
  Sentei-me à porta e fiquei observando aquilo que parecia ser a própria representação da felicidade em um riso contínuo.
  Observei por mais um tempo tentando captar outras nuances de algo que não entendia bem.
  O riso dos loucos, era isso, a mais pura loucura. Um desespero aparentemente inconsciente mostrou-se para mim naquela risada, mesmo com o homem que a perpetrava querendo parecer absolutamente satisfeito.
  Era dor pura, em estado bruto, mas nem o próprio ser parecia saber disso.E eu contemplei um homem numa prisão sem grades, um homem de quem eu não sabia nada e que ria alto como se risse para espantar algo.
  Eu não pude deixar de pensar no que ele realmente queria ser, em como ele via a própria realidade, a vida, as pessoas que ele amava ou o porque de eu sentir tanto desespero vindo dele; não pude entender o motivo pelo qual ele seguia cavando aquele buraco enquanto ria o riso das hienas; eu não pude deixar pensar em quantas outras pessoas no mundo cantam, dançam, ou mesmo fecham os olhos quando estão desesperadas fazendo todo o possível para dissociar a dor da própria consciência.
  E lá estava eu, ouvindo o mesmo riso com um enorme embrulho no estômago, enquanto pensava no porque de as pessoas não conseguirem enxergar o que há de errado com elas próprias.
  Olhei atenciosamente para o homem que cavava, esquadrinhei cada movimento, fiz uma síntese mental de toda a dor que eu podia sentir no seu riso, e ri: um riso louco e desesperado, um riso de quem perdeu completamente o juízo, eu ri, como se tentasse espantar alguma coisa; ri até as lágrimas descerem dos olhos, um riso de criança triste, sem teto e sem esperança, eu ri.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Poema chuvoso (prece nordestina)


Vem chuva, vem!
Lava os meus olhos tristes,
Lava o meu corpo também;
Lava essas ruas sujas
Da minha vista e de mais além.
Lava-me essa dor nas juntas
E a dor da alma também?
Vem chuva, vem!
Me ensina da tua pureza,
Me lava a lembrança de alguém,
Lava a maldade do mundo
E a minha maldade também.
Vem chuva, vem...
Que se caíres certo
Não rezo o que me convém...
Mas faz da tua vinda algo certo,
Deixa Deus um pouquinho mais perto,
Vem chuva, vem!

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Carnaval (Enjoo de fevereiro)


“Carnaval, carnaval, carnaval”...
Eu fico triste quando chega o carnaval.
É tanta gente de bem
Fingindo não estar mal;
É tanta falta de senso
Que às vezes de fato penso
Que a gente não faz ideia
Do mundo em que a gente vive.
É tanto morro, favela, declive...
São pessoas que não conheço,
Lugares onde não estive.
E aqui de longe tudo é samba; tudo é festa,
Quando na verdade não se sabe nada.
É tanta gente doente, suja, maltratada;
É tanta necessidade, tanta bondade mal-cultivada.
E o meu povo samba faminto,
Fazendo do descaso algo banal.
São quatro dias de festa
De uma pseudo-inclusão social,
E os beijos infectados, e a música de fundo
Não devem mesmo fazer nenhum mal,
Mas pode crer - é verdade- eu não minto,
No fim das contas sabe o que eu sinto?
Eu fico triste quando chega o carnaval.

Poema de fim de tarde


Um poema de fim de tarde
Um poema de pós- banho,
Cheirosinho, cheirando a  
Desodorante barato;
Um poema de roupa nova,
Esboçando alguma alegria,
Olhando a rua miserável
Com uma esperança de fazer dó.
Relógio no braço.
Ele me diz que, em breve,
O poema se encerra.
O poema diz que ele mente;
Se der sorte vai durar para sempre.
Eu encho os olhos d’água
E o poema se encerra,
Devagarzinho, sem fazer alarde.
Um poema como tantos outros,
Um poema de fim de tarde.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Poema infantil-IV


“Mãe me compra um doce.”
“Pode ser bolo, uma balinha…”
(...)
“Não é hora? Pensei que fosse...”
(…)
É que quando os machucados doem,
Doem todos de uma vez.
-Não mãe, não só os que você fez.
Dos buracos que você abriu
A vida fez outra coisa
E tudo deformou tanto,
Que acabei aprendendo como se perdoa
Sem desculpar coisa alguma;
Uma vez, depois outra e mais uma…
-Não deve ser certo, não é?
Mas mãe, eu pensei que fosse,
Como o tapa que eu ganhei,
Daquela vez que pedi doce.